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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O toque da alfaia na selva de pedra paulistana.

Eis as  primeiras  impressões  das visitas aos grupos de Maracatu. E esse primeiro registro é de Savana Azolini.


Maracatu em São Paulo: as primeiras impressões


Transformar o Maracatu em um documentário para rádio será um desafio e ao mesmo tempo um prazer. Desafio em conhecer e entender uma cultura tão tradicional de nosso país e infelizmente pouco divulgada na grande mídia. Um prazer por me identificar com essa miscigenação cultural.
Meu primeiro contato com o Maracatu foi em 2008 por pura curiosidade. Fiquei sabendo de ensaios do projeto Calo na Mão do grupo Bloco de Pedra que ocorrem no bairro do Sumaré. As toadas, as vestimentas e a energia das pessoas me contagiaram. E desde aquele momento procurei saber sobre essa cultura. Desde esse momento comecei a participar mais como espectadora e percebendo o respeito que existia em torno do Maracatu.
Através do Trabalho de Conclusão de Curso e principalmente com o pré-projeto consegui descobrir na teoria, com as pesquisas o que é o Maracatu. Essa cultura começou no século XVII em Pernambuco, através de uma manifestação religiosa que misturava valores tribais do Congo e Angola às tradições Ibéricas. O Maracatu teve origem em Pernambuco, no período da escravidão, a partir de cortejos que encenavam a coroação de reis e rainhas africanas, abrigados pela religião Católica.
Porém, o Maracatu é mais que teoria. É uma cultura viva, e para conhecer tem que participar. O grupo se inscreveu primeiramente no workshop de história do maracatu oferecido pelo grupo Bloco de Pedra e começou a fazer visitas a outros grupos. Percebi que o grupo Bloco de Pedra tem um cunho social muito forte com a comunidade, por oferecer cursos gratuitos de dança e instrumentos. Os ensaios no período vespertino são abertos e se transforma em uma grande festa, quase um evento.
Conhecemos o Baque Sinhá. Um grupo de Maracatu essencialmente formado por mulheres que participam também de apresentações por São Paulo. O único homem é o dançarino que ajuda as meninas na coreografia. O grupo ensaia na Praça do Obelisco no Ibirapuera e dividem espaço com os apitos do time de futebol americano que treinam ao lado e sempre querem mais espaço. Conversando com alguns integrantes podemos perceber que o Maracatu tinha muito em comum com as religiões afro brasileiras e o preconceito era uma dessas semelhanças. Um homem dentro de um carro gritou: Macumbeiros!

E se realmente fosse alguma celebração de Umbanda ou Candomblé? Estamos no Brasil. Nem todos são católicos ou evangélicos. Nem todos são brancos ou negros. Somos miscigenados. Mas aquele homem não sabe o que é macumba. Um dos significados da palavra macumba é um antigo instrumento de percussão africano, parecido com um reco-reco. Aquele homem não sabia o que é macumba e ele nem imaginava que aquilo que estava acontecendo era Maracatu.
Com o grupo de Maracatu Ilê Aláfia, no bairro do Jabaquara eu me senti realmente na raiz da cultura. Não parece que estamos em um projeto educativo de São Paulo. Me imaginei no Congo ou em alguma vila de Pernambuco. Ali acontece a verdadeira mistura brasileira. O Ilê Aláfia é um grupo mais rígido em comparado com o Bloco de Pedra. Quem tem interesse na cultura é muito bem vindo, mas para participar é necessário muito mais que vontade, mas participar ativamente dos ensaios e atividades do grupo. O grupo é muito organizado e unido, e talvez, esse seja o motivo de participarem de tantas atividades e de serem tão respeitados por outros grupos de São Paulo e Pernambuco. É uma grande família unida pela cultura.

 
Conversando com a Conça, uma das organizadoras do grupo, ela me contou como é o cotidiano deles e até surgiu uma comparação com escolas de samba. As escolas de samba são conhecidas, mas elas são patrocinadas, elas disputam um prêmio e por isso são tão conhecidas na mídia. Sou moradora da Zona Norte de São Paulo, região que mais possui escolas de samba na cidade, e visitando algumas (também por curiosidade), percebi que cada um tem uma função e se você não faz parte daquele grupo, você realmente não faz parte, ao contrário do que acontece no período do Carnaval. As escolas são mais fechadas nesse sentido.  Os ensaios nos grupos de Maracatu também acontecem durante o ano inteiro, mas me senti acolhida como se eles pensassem: alguém está interessada por nós, vamos contar para ela a nossa história, para que ela fale isso para outras pessoas. 
O Ilê Aláfaia são um dos poucos que conservam a tradição do coroamento. O grupo não tem só dançarinos e percursionistas, mas também a Dama do Passo, o Rei e a Rainha. Era meu o interesse em saber da história do grupo, mas o interesse deles era ainda maior em me contar e compartilhar a vivência. Eu perguntei, arrisquei uns passos de dança e participei da percussão por um dia. Toquei a Alfaia, que é um instrumento musical em que o som é obtido através de uma membrana e o volume é determinado pelo tocador, como se fosse um grande tambor tocado por duas baquetas.  O grupo teve paciência em me ensinar e eu a vontade de fazer o melhor, mesmo errando muito dos toques.
A primeira impressão do grupo Cia Caracaxá foi um pouco diferente do Bloco de Pedra, Baque Sinhá e Ilê Aláfia. O grupo ensaia próximo a Escola de Comunicação e Artes da USP, no Bairro do Butantã, todas a quinta-feira a noite. Um local difícil de encontrar, não tanto pela localização, mas pela falta de informação de quem trabalha e estuda na região. A maioria das pessoas não conhece a existência de um grupo de Maracatu na USP. Combinamos via email a nossa visita e avistamos a presença de pessoas de outros grupos no ensaio. O ensaio é descontraído e o mestre reclama muito dos erros do grupo. Depois da visita, pude analisar a diferença entre os grupos de Maracatu. O que são mais grupos, que compartilham dessa cultura e os que também são grupos de Maracatu, mas que se destacam apenas pela percussão.


A visita ao grupo de Maracatu Porto de Luanda em Itaquera foi muito especial, pela história e as atividades que o grupo realiza com os jovens da religião. Conversarmos muito com um dos organizadores, Silvio Ribeiro, que nos contou como faz para continuar compartilhando a cultura com outras pessoas. O grupo é também um dos mais conhecidos e respeitados e percebemos o motivo. Os participantes fazem questão que os novos visitantes participem das atividades e conheçam o Maracatu. Novamente me arrisquei na Alfaia. Com a ajuda do Silvio, tive a oportunidade de conhecer a fundo cada uma das toadas do Maracatu. Depois da visita fiquei com o pensamento: se eu tivesse mais tempo, se o grupo fosse mais perto da minha casa eu participaria sempre da percussão. São desculpas que arranjamos, colocando outras responsabilidades na frente de uma cultura tão rica e envolvente.
Faltam visitar o Instituto Brincantes na Vila Madalena e o grupo Mucambos no bairro do Jabaquara. Mas pude perceber na teoria e na prática a importância do Maracatu para a cultura brasileira e como ela é a identidade do nosso povo e mais do que perguntar, os grupos querem responder. O Maracatu quer ser conhecido.

 

 

 

 

 

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